quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
A nau dos insensatos
A nau dos insensatos é uma frequente alegoria na cultura ocidental: a ingénua barca carrega aqueles que representam, cada um, o ser humano, que nela navega loucamente sem saber ou se importar acerca o seu destino. Uma perturbante autocrítica, em tempos medievais.
Também, durante o Renascimento, eram lançadas ao mar barcas repletas de homens mentalmente afectados, loucos. Muitos fizeram da água e isolamento cura. Outros morreriam.
Ship of Fools é um filme de 1965. Um barco, várias almas e nenhumas, o desespero daqueles que de longe as vêem dançando no mar, como um quadro.
domingo, 12 de outubro de 2008
Estórias
Algo me fez aterrorizar com a tua presença, com o teu mundo. Como se de longe me abraçasses para sempre, prendendo-me em tua dedução, em teus braços infiéis. Parvoíce. Nunca me terás. Nunca te amarei pois nunca me permitirás ver-te lá para a frente, no tempo que ainda há-de vir. Nem sequer existe para ti, tal tempo. O que tu sabes, reduz-se à materialidade da existência, ao seu chão. Pois digo-te que o seu sentido descansa no seu pó, e na sua aprendizagem, sua limpeza. O Amor é a volúpia desse tempo futuro, um baú de desejos, aspirações, sonhos que impraticam o dia-a-dia em seu favor. A beleza do estar com alguém, sabendo-o para sempre, estando agora mas em milhares de “estares”, vivendo com esse alguém este segundo, mas absorvendo já a felicidade dos próximos. De que vale abandonar-me a um só tempo, este em que te escrevo ou tu o lês, se neste tempo posso morder e viver tantos outros?
Tu sonhas, Vladimir? És mundano e pobre. Olhas para baixo, vês o material e nele te apoias. Vives no lodo, como tantos outros, mas com a subtil diferença de que sabes o que há para cima, e o rejeitas carnalmente, preferindo a impureza de uma vida sem alma. As mulheres, Vladimir, o tabaco, os quadros, são corpos sem alma. Ela abandona quem a tenta viver num segundo, violá-la. Assim como os sonhos. Constrói-se. A alma é futura e alimenta-se de tempo, como nós. Tu não te dás tempo. Rio-me das minhas anteriores preocupações. Nunca te amarei.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Andei hoje cheio de luzes.
E se acaso falo com alguém longinquo, e se , hoje nuvem do possivel, amanhã caires, chuva de real sobre a terra, não te esqueças nunca da tua divindade original de sonho meu. Sê sempre na vida aquilo que possa ser o sonho de um isolado e nunca o abrigo de um amoroso. (...) Que o teu génio seja o ser supérflua, e a tua vida a arte de olhar para ela, de seres olhada, a nunca idêntica. Não seja nunca mais nada. Hoje és apenas o perfil criado deste livro, uma hora carnalizada e separada das outras horas. Se eu tivesse a certeza de que o eras, ergueria uma religião sobre (o sonho de) amar-te.
Livro do Desassossego
terça-feira, 23 de setembro de 2008
22.09.2008
Há quebras. De vez em quando se olham as coisas ordinárias, e como ventriloquos de nós mesmos percebemos a sua presença,
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Viagem a Lisboa
Têm sido tempos em que cada vez mais me surpreendo com a beleza do desconhecido.
De lá retiro um pequeno diálogo que achei curiosíssimo.
domingo, 31 de agosto de 2008
Acordou sob a manhã, sob o tecto, sob tectos e assobiou estridentemente para os bichos brancos, babando os dedos. O Sol nascente conduzia-a, autómato, pelos trilhos de terra sangrada e seus ossos, e Samanta dançava as nádegas involuntariamente como as ovelhas que a seguiam. Interrompeu esse movimento sentando-se indolormente nas ervas que já viviam consoante o formato do seu traseiro e olhou-a. Sabia-a lá, a casa. Ruminando a fúria, a liberdade ou a leveza, correu para a porta velha e existencial. De lá de dentro se ouviam vozes masculinas. Bateu inúmeras vezes, excitada, esperando que o homem negro ou o homem-sonho lhe abrisse a porta. Não sabe qual delas abriu primeiro, se essa porta, se a que escondia por entre as pernas. Tampouco se importara. Deixou-se penetrar lentamente, como se chupasse um rebuçado, ocultada de si mesma, ou querendo-se assim?, dentro dos lodos nauseabundos da casa. O homem levara a sítios onde jamais teria ido.
Abriu os olhos empapados, carregando a sensação de que dormira por séculos seguidos. Ensalivou os dedos mais uma vez, comandando um grito para as ovelhas que miravam Samanta como um espelho. Desta vez teria pressa, ou conhecia algum objectivo, já que seus olhos se distinguiam do resto da sua face. Chegara mais cedo, como previra, aos campos que grunhiam e à casa. Olhou-a e largou-a num segundo do colar dos olhos, enquanto acariciava o pelo de uma do seu rebanho, como se receasse o seu desaparecimento, o seu abandono. E sem conseguir acalmar a volúpia e o acordar desajeitado (como quem não se habituara a acordar) das suas entranhas correu para a porta escura e masculina. Não quis esperar: não era virgem jamais. E abriu-a, esperando o bafo pestilento de um homem narinas acima. Mas Samanta encontrou apenas a claridade, a merda da claridade, a desocupação. Nada lá dentro senão uma velha espingarda e uma foto a cores sem margens, de uma encosta verde, a erva milimétrica, aquele lugar ou tantos outros, a paciência estúpida e atrasada das nuvens, o céu limpo e azul, um canto gregoriano repetindo vezes sem conta. Samanta sabia ser essa foto. Sabia também que o seu homem-sonho fora isso apenas, e de facto dormiu mais tempo do que o que guardava para o fazer. Um sonho. Todavia bendito aquele que decidira dar ao inconsciente do sono e ao desejo do homem o mesmo nome. E chorara de joelhos em frente à porta velha, aberta, fazendo-se chagas na pele com as unhas sem reparar, enquanto ouvia esse canto da sua cabeça vezes sem conta. Chorava a sua própria vida.
Riu-se. Caminhou para junto das ovelhas que pastoreava e imitou os quadrúpedes, para a trás e para a frente, de mãos no chão, soltando balidos de vez em quando: não a podem acusar de não ter tentado ambos os caminhos. Mas não. Apercebeu-se que não seria assim. Levantou-se, sem se sentir estúpida ou humilhada, e encontrou de novo a porta da casa, aberta ainda (como sempre estivera), e de lá de dentro a velha espingarda. Sem saber de onde lhe vinha a arte, disparou um tiro voluntário para uma das que pastoreava, talvez batendo o caminho, a volúpia, ou observando a morte.
Ouviram-se mais seis disparos rectos por entre gritos de própria vivacidade, gemidos de prazer e excitação. De felicidade.
Reconheceram-na pela face surpreendentemente incólume. Três cartuchos enterrados nas suas pernas; outros tantos no seu braço esquerdo. Samanta sucumbira enquanto o sangue escorria. Como desejara.
Trás-os-Montes, literalmente
Saudades do Tiago e da Sílvia.
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Agosto
Li A Identidade de Milan Kundera, os poemas que ia beberricando de vez em quando, comecei um outro livro. Vi Sliding Doors (Instantes Decisivos em português, cuja ideia inicial, provar que um qualquer momento e suas decisões divide os caminhos da nossa existência, me pareceu interessante mas pobremente explorada), Non, ou a vã glória de mandar de Manoel de Oliveira, La Moustache, e Lila dit ça.
Recomendo este último, pela sua estranheza, pela sua beleza, ou talvez pela sua estranha beleza. (em português: Entre as pernas de Lila)
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
A Hora do Diabo
Falava de um Diabo, irmão de Deus, e todo o conto bate suas asas em redor de um diálogo entre esta personagem e Maria, uma mulher em tudo anónima menos no nome, fiel representante do sexo feminino. Um Diabo divergente da habitual concepção de diabo, um mestre da música, do luar, dos sonhos, mas que é apenas a oposição de tudo, o seu avesso,
Tudo vive porque se opõe a qualquer coisa. Eu sou aquilo a que tudo se opõe.
inclusive do próprio Deus,
Deus criou-me para que eu o imitasse de noite. Ele é o Sol, eu sou a Lua. Minha luz paira sobre tudo quanto é fútil ou findo, fogo-fátuo, margens de rio, pântanos e sombras.
E numa análise sumária, este Diabo é o criador daquilo que não existe, “a incarnação do nada”, tem como sua função apenas fazer sonhar,
Sou o Deus da Imaginação, perdido porque não crio.
Feitas as apresentações. Adiante, diz-nos:
Os problemas que atormentam os homens são os mesmos problemas que atormentam os deuses. (…) Tudo é símbolo e atraso, e nós, os que somos deuses, não temos mais que um grau mais alto numa Ordem cujos Superiores Incógnitos não sabemos quem sejam.
Somos então colocados, os homens e Deus, numa escada vertiginosa, numa hierarquia em que Este ocupa o patamar que nos é imediatamente superior, mas inferior a outros mais, de número incógnito, criadores do Criador, pais do Pai dos homens.
Ainda no mesmo monólogo, o Diabo introduz um novo elemento nessa escala, o animal, a sua base, imediatamente inferior à do homem. E explica-o, numa fala lindíssima.
O homem não difere do animal senão em saber que o não é. É a primeira luz, que não é mais que treva visível. É o começo, porque ver a treva é ter a luz dela. É o fim, porque é o saber, pela vista, que se nasceu cego. Assim o animal se torna homem pela ignorância que dele nasce.
E finalizando, nas palavras do Diabo, que é também ele um Deus, apercebemo-nos de uma espécie de leveza pesarosa, na condição divina. Também os deuses vivem o desassossego.
Tendes a vantagem de serdes homens, e creio às vezes, do fundo do meu cansaço de todos os abismos, que mais vale a calma e a paz de uma noite da família à lareira que toda esta metafísica dos mistérios a que nós, os deuses e os anjos, estamos condenados por substância. Quando, às vezes, me debruço sobre o mundo, vejo ao longe, indo do porto ou voltando a ele, as velas dos barcos dos pescadores, e o meu coração tem saudades imaginárias da terra onde nunca esteve. Felizes os que dormem, na sua vida animal, ― um sistema peculiar de alma, velado em poesia e ilustrado por palavras.
Diz Álvaro de Campos a Alberto Caeiro, num dos seus poemas: “Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.”
A Hora do Diabo é um livro fascinante, que pela sua natureza é igualmente contrariador, um espelho onde as ideias vêem a sua simetria.
Contrariar ideias é fazer com que nos abandonem, e se caia no desalento e de aí no sonho e portanto se pertença ao mundo.
Midnight Juggernauts - Into the Galaxy. Uma música que me foi acompanhando ao longo desta pequena grande semana de férias.
quarta-feira, 6 de agosto de 2008
cantos do seu canto
“É o caminho contigo que te renova para os outros”
terça-feira, 29 de julho de 2008
poemas destes dias
Talvez seja uma possibilidade.
O poema é um talvez.
Quem recolhe a rutilância
da cor quando o pensamento é vivo
num momento de aspirada glória?
Só um ser que se recolhe surpreende as águas
e concentra em si o negro e o ouro de uma corola inicial.
sexta-feira, 21 de março de 2008
O Retrato de Dorian Gray
sábado, 9 de fevereiro de 2008
Centro do Mundo
Pensa que nada é necessário: se lutares contigo mesmo, sairás sempre vencido."
E escrevera isto nas ruas de Santiago, enquanto se despegava em direcção à camioneta.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
Sem notar a passagem do tempo, eu, abraçado