domingo, 12 de outubro de 2008

Estórias

Terei começado esta história algures por Junho deste ano para a finalizar incompleta pouco mais de um mês depois. Falava de Vladimir, nascido em Kiev (1624) de uma cozinheira especialista em comida árabe e de um velho ministro de um antigo Czar caído em desgraça - todos estes pormenores e alguns mais me foram dados sob a forma de uma biografia sua, pelo Pedro Sena-Lino. Desde cedo me apaixonei pela personagem e pelos ramos que nele fui enxertando.
.
Contudo, essa mesma história, com cerca de 18 páginas A4 preenchidas e mais de dez mil palavras não fora mais longe, por força de circunstâncias minhas, do que a participação de uma personagem do enredo, Jelena Pugach, que distante e de perto aterroriza a vida de Vladimir Peteredin, apenas na medida em que a modifica. Todas essas palavras estão dedicadas a Jelena, na sua própria voz. Toda a estória. E aqui, oferecendo-lhe humildemente (e exteriormente) um espécie de benção ou consagração, ou despedida, transcrevo um excerto. Uma carta de Jelena a Vladimir.
.
Vladimir,

Algo me fez aterrorizar com a tua presença, com o teu mundo. Como se de longe me abraçasses para sempre, prendendo-me em tua dedução, em teus braços infiéis. Parvoíce. Nunca me terás. Nunca te amarei pois nunca me permitirás ver-te lá para a frente, no tempo que ainda há-de vir. Nem sequer existe para ti, tal tempo. O que tu sabes, reduz-se à materialidade da existência, ao seu chão. Pois digo-te que o seu sentido descansa no seu pó, e na sua aprendizagem, sua limpeza. O Amor é a volúpia desse tempo futuro, um baú de desejos, aspirações, sonhos que impraticam o dia-a-dia em seu favor. A beleza do estar com alguém, sabendo-o para sempre, estando agora mas em milhares de “estares”, vivendo com esse alguém este segundo, mas absorvendo já a felicidade dos próximos. De que vale abandonar-me a um só tempo, este em que te escrevo ou tu o lês, se neste tempo posso morder e viver tantos outros?

Tu sonhas, Vladimir? És mundano e pobre. Olhas para baixo, vês o material e nele te apoias. Vives no lodo, como tantos outros, mas com a subtil diferença de que sabes o que há para cima, e o rejeitas carnalmente, preferindo a impureza de uma vida sem alma. As mulheres, Vladimir, o tabaco, os quadros, são corpos sem alma. Ela abandona quem a tenta viver num segundo, violá-la. Assim como os sonhos. Constrói-se. A alma é futura e alimenta-se de tempo, como nós. Tu não te dás tempo. Rio-me das minhas anteriores preocupações. Nunca te amarei.
.

1 comentário:

Anónimo disse...

confesso que ainda não tive tempo de ler o teu "livro" todo, ma essa carta é de facto, e de certeza, uma das melhores partes que vi ate agora!

obrigado amigo