quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Fevereiro

De um livro (Poemas Anónimos - Turcos, Mongóis, Chineses e Incertos) que me chegou às mãos a custo de um soslaio, na feira do livro a decorrer no Palácio:
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Queria eu, esconder-me na montanha. Estudar a Via.
Mas não aguento, o frio - nem suporto, a fome.
China
Dinastia Tang (618 -907)
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Tornei-me vosso Rei
Peguemos em arco e escudo.
Seja virtude nossa: tamga
Hurra! "A lobo, gris-azulado"
As lanças darão floresta.
Onagro, de caça faz os terrenos
E mares e rios... Um estandarte
O Sol. E o céu - acampamento.
Turcomano, ou Mongol
(Século XIII?)
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O homem produz a linguagem. Mas é esta que o reinventa. Hoje.
E o modo como o tempo inexorável não abala o que está por detrás das palavras.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Dezembro



a música a dança
o tango
a cabeça o tronco as pernas os pés

(Gotan Project - Queremos Paz)

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A nau dos insensatos

A nau dos insensatos é uma frequente alegoria na cultura ocidental: a ingénua barca carrega aqueles que representam, cada um, o ser humano, que nela navega loucamente sem saber ou se importar acerca o seu destino. Uma perturbante autocrítica, em tempos medievais.

Também, durante o Renascimento, eram lançadas ao mar barcas repletas de homens mentalmente afectados, loucos. Muitos fizeram da água e isolamento cura. Outros morreriam.

Ship of Fools é um filme de 1965. Um barco, várias almas e nenhumas, o desespero daqueles que de longe as vêem dançando no mar, como um quadro.


domingo, 12 de outubro de 2008

Estórias

Terei começado esta história algures por Junho deste ano para a finalizar incompleta pouco mais de um mês depois. Falava de Vladimir, nascido em Kiev (1624) de uma cozinheira especialista em comida árabe e de um velho ministro de um antigo Czar caído em desgraça - todos estes pormenores e alguns mais me foram dados sob a forma de uma biografia sua, pelo Pedro Sena-Lino. Desde cedo me apaixonei pela personagem e pelos ramos que nele fui enxertando.
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Contudo, essa mesma história, com cerca de 18 páginas A4 preenchidas e mais de dez mil palavras não fora mais longe, por força de circunstâncias minhas, do que a participação de uma personagem do enredo, Jelena Pugach, que distante e de perto aterroriza a vida de Vladimir Peteredin, apenas na medida em que a modifica. Todas essas palavras estão dedicadas a Jelena, na sua própria voz. Toda a estória. E aqui, oferecendo-lhe humildemente (e exteriormente) um espécie de benção ou consagração, ou despedida, transcrevo um excerto. Uma carta de Jelena a Vladimir.
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Vladimir,

Algo me fez aterrorizar com a tua presença, com o teu mundo. Como se de longe me abraçasses para sempre, prendendo-me em tua dedução, em teus braços infiéis. Parvoíce. Nunca me terás. Nunca te amarei pois nunca me permitirás ver-te lá para a frente, no tempo que ainda há-de vir. Nem sequer existe para ti, tal tempo. O que tu sabes, reduz-se à materialidade da existência, ao seu chão. Pois digo-te que o seu sentido descansa no seu pó, e na sua aprendizagem, sua limpeza. O Amor é a volúpia desse tempo futuro, um baú de desejos, aspirações, sonhos que impraticam o dia-a-dia em seu favor. A beleza do estar com alguém, sabendo-o para sempre, estando agora mas em milhares de “estares”, vivendo com esse alguém este segundo, mas absorvendo já a felicidade dos próximos. De que vale abandonar-me a um só tempo, este em que te escrevo ou tu o lês, se neste tempo posso morder e viver tantos outros?

Tu sonhas, Vladimir? És mundano e pobre. Olhas para baixo, vês o material e nele te apoias. Vives no lodo, como tantos outros, mas com a subtil diferença de que sabes o que há para cima, e o rejeitas carnalmente, preferindo a impureza de uma vida sem alma. As mulheres, Vladimir, o tabaco, os quadros, são corpos sem alma. Ela abandona quem a tenta viver num segundo, violá-la. Assim como os sonhos. Constrói-se. A alma é futura e alimenta-se de tempo, como nós. Tu não te dás tempo. Rio-me das minhas anteriores preocupações. Nunca te amarei.
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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Andei hoje aos tropeções. Mas levantar-me é elucidativo. Diria uma visão panorâmica.

Andei hoje cheio de luzes.

Obrigado, Sílvia, pelo passeio quase desprovido de sentido a não ser ser desprovido de sentido. Faz falta, de vez em quando. Não é?
Obrigado, Tiago, pelas tuas tão hirtas palavras, aliás hirtos sons. Sabes a que me refiro.
Obrigado, Vânia, pela tua tão emaranhada parecença comigo. Pelas aulas de Química e croissants e pela ventania de caviada na praia. Pelos beijos que te dou. Pelo sorriso com que os recebes.
Obrigado, Rafa. O brinde à tão minha paragem de Francos, as cigarrilhas e a cerveja e o Sol.
Obrigado, Inês.
Obrigado, Catarina, pela tua beleza, pelo teu salto de pés juntos. E pelo meu.

E se acaso falo com alguém longinquo, e se , hoje nuvem do possivel, amanhã caires, chuva de real sobre a terra, não te esqueças nunca da tua divindade original de sonho meu. Sê sempre na vida aquilo que possa ser o sonho de um isolado e nunca o abrigo de um amoroso. (...) Que o teu génio seja o ser supérflua, e a tua vida a arte de olhar para ela, de seres olhada, a nunca idêntica. Não seja nunca mais nada. Hoje és apenas o perfil criado deste livro, uma hora carnalizada e separada das outras horas. Se eu tivesse a certeza de que o eras, ergueria uma religião sobre (o sonho de) amar-te.

Livro do Desassossego

terça-feira, 23 de setembro de 2008

22.09.2008










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Todo o belo se gasta. O tempo é-lhe corrosivo.
A beleza como fósforos, o fogo gasta, o fogo corrói. Acende-se um novo, diferente.
E pode ser isto viver, até ao fim dos nossos dias.

Há quebras. De vez em quando se olham as coisas ordinárias, e como ventriloquos de nós mesmos percebemos a sua presença,
como um todo talvez intemporal.
Não se gastam, tampouco se corroem. E melhor vendo, onde está afinal a beleza?

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Viagem a Lisboa

Mais uma vez me encontrei a ver um filme, desta vez Viagem a Lisboa.

Têm sido tempos em que cada vez mais me surpreendo com a beleza do desconhecido.

De lá retiro um pequeno diálogo que achei curiosíssimo.
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Dantes as imagens contavam histórias e mostravam coisas. Agora só pretendem vender, histórias e coisas. Mudaram sob os nossos próprios olhos. (…) As imagens estão a vender o mundo ao desbarato. Quando vim para Lisboa fazer este filme, julguei que conseguia fugir a isso.(…) Mas não funcionou, Winter. Por algum tempo, pareceu funcionar, mas depois desmoronou-se tudo. Adoro esta cidade! Lisboa! E a maior parte do tempo vi-a realmente em frente aos meus olhos. Mas apontar uma máquina de filmar é como apontar uma arma. E cada vez que a apontei, senti-me como se a vida se estivesse a escoar das coisas. E eu filmava e filmava, mas a cada rodar da manivela, a cidade recuava mais e mais, afastando-se mais e mais. (…) Mas há uma maneira e estou a trabalhá-la. Ora ouve! Uma imagem que não foi vista não pode vender nada. É pura, e por conseguinte, verdadeira e bela. Numa palavra: é inocente. Enquanto nenhum olhar a contaminar, permanece em uníssono com o mundo. Se não for vista, a imagem e o objecto que esta representa, permanecem juntos. Sim, é apenas quando olhamos para a imagem, que a coisa que ela contém… morre. E cá está, Winter, a minha "biblioteca de imagens jamais vistas"! Todas estas imagens foram filmadas sem intervenção do olhar humano. Ninguém as viu enquanto foram gravadas, e ninguém as visionou depois. Filmei-as todas nas minhas costas! Estas imagens mostram a cidade como ela é e não como eu desejaria que fosse. Seja como for, cá estão elas, no seu primeiro e doce sono da inocência, prontas a ser visionadas por alguma geração futura, com um olhar diferente do nosso. Não te preocupes, amigo, ambos estaremos mortos.